Passemos ao segundo corifeu da Reforma, ou seja, Zwinglio (em português, Zuínglio). Vejamos a descrição que faz de si mesmo: “Não posso disfarçar, disse, o fogo que me abrasa e me arrasta à incontinência, porque é uma verdade que seus efeitos me acarretaram humilhantes reconvenções por parte das igrejas” [1]. – Sua versão bíblica, como escreve Lavatero, que o impressor de Zurich mandou de presente a Lutero, foi-lhe devolvida com as seguintes injúrias: “Não quero ler os livros dessa gente que se declara fora da Igreja de Deus: condenados eles, são também causa da condenação de muita gente simples. Enquanto eu viver, lhes farei a guerra com minhas orações e com meus escritos” [2]. – “Por outro lado, escrevia Lutero, Zwinglio morreu condenado, querendo, como ladrão e sedicioso, obrigar aos demais, com a força das armas, a seguirem seus erros” [3]. – “E efetivamente, Zwinglio morreu em 11 de outubro de 1531, combatendo 6.000 católicos como chefe de 20.000 zwinglianos” [4]. – “Muitos luteranos, escreve o apologista de Zwinglio, não hesitam dizer que morreu em pecado, nem de enviá-lo ao inferno” [5].
“Os zwinglianos escrevem que os temos por irmãos, diziam os luteranos em seu sínodo; mas isto é uma dissimulação tão louca e impertinente, que nos assombra semelhante cinismo. Não lhes concedemos sequer um posto na Igreja, tão longe estamos de reconhecer por irmãos uma gente que vemos agitada pelo espírito da mentira, e que ouvimos a cada passo, blasfemar contra o Filho do homem” [6].
“Bem-aventurado, escrevia Lutero, o que não assistiu ao conselho dos sacramentários, nem se deteve no caminho dos zwinglianos, nem se sentou na cátedra dos de Zurich. Já sabeis o que eu quero dizer” [7].
“Os dogmas de Zwinglio, disse Brenno, são diabólicos, repletos de impiedade, de depravação e de calúnia: seus erros acerca da Eucaristia envolvem ainda outros muitos mais sacrílegos. Com eles se verá em breve renascer na Igreja de Deus a heresia dos nestorianos, e desaparecerão, um após o outro, os artigos de nossa religião, para serem substituídos pelas superstições dos pagãos, dos talmudistas e dos maometanos” [8].
É natural que, assim como ao traçar o retrato de Luteroacrescentamos o do mais célebre de seus discípulos, Carlostádio, faremos do mesmo modo com Zwinglio, ocupando-nos dos seus mais fiéis sectários, que foram Oecolampadius e Ochin, já que os que lhes conheciam nos deixaram suas tristes memórias.
De Oecolampadius escrevem os luteranos, que apesar de ser o fundador da seita dos sacramentários, falando um dia a Landgrave, lhe dizia: “Desejaria que me tivessem cortado a mão antes de haver escrito contra a opinião de Lutero no que se refere à ceia”.
Estas palavras referidas a Lutero, patriarca da Reforma, lhe acalmou um pouco; contudo, ao ter notícia de sua morte, exclamou: “Ah, miserável e infortunado Oecolampadius: tu mesmo eras profeta de tua desgraça, quando pedias a Deus para que tivesse vergonha de ti quando ensinavas a má doutrina! Deus te perdoe, se te encontras em estado no qual possa perdoar-te!” [9].
Enquanto isso, os habitantes de Basileia, em 1551, colocavam no claustro da catedral e sobre a tumba de Oecolampadius, o seguinte epitáfio: “Aqui jaz o autor da doutrina evangélica, primeiro e verdadeiro bispo nesta cidade ou deste templo”. Lutero, por sua vez, escrevia que Oecolampadius havia sido afogado à noite pelo diabo, a quem servia, e que deste bom mestre havia aprendido que na Escritura encontravam-se contradições: Eis aqui Satanás reduzir os sábios [10].
Do mesmo Oecolampadius escrevia Erasmo: “Oecolampadius, monge e sacerdote, a exemplo de todos os apóstatas e de Simão Mago, não quis também separar-se de sua Elena para dulcificar as fatigas de seu apostolado... e se casou, há pouco, com uma bela moça, querendo, aparentemente, mortificar desta maneira sua carne. Corre a máxima de que o luteranismo é uma tragédia. De minha parte, tenho a convicção de que nada há de tão cômico no mundo, pois o desfecho da ópera que estes doutores representam é sempre um matrimônio” [11].
Digamos algumas coisas, embora mui brevemente, de outro frade desenfreado, a saber, de Ochin, que também casou-se para a tranquilidade de sua alma. Dele dizia Bèze a Didusio: “É um malvado lascivo, fautor dos arianos e desprezador de Jesus Cristo e de sua Igreja. Está provado até a evidência que este santo homem foi um dos fundadores da franco-maçonaria, ou seja, dos deístas ou ateusreunidos em Vicenza no ano de 1546” [12].
Tendo conseguido escapar da justiça de Veneza, da qual não se livraram Julio Trevisano e Francisco de Rugo, que foram enforcados, Ochin refugiou-se na Inglaterra, onde fundou algumas lojas. Depois, sob o reinado de Maria, a Católica (Maria I da Inglaterra), dirigiu-se a Estrasburgo, e em 1555 a Zurich, onde foi ministro, até que, expulsado por pregar a poligamia, refugiou-se na Polônia, cujo país também teve de deixar após um tempo. Por fim, em 1577 morreu de peste em Slancow, cidade da Morávia, igualmente odiado pelos luteranos e calvinistas.
“Ochin, por sua vez, não menos odiava a estes sectários, pois, em seu diálogo contra a seita dos deuses terrestres, assim expressava-se falando dos ministros de Genebra e de Zurich: ‘Esta gente pretende que se tenha como artigo de fé tudo quanto eles retiram de suas cabeças: se alguém recusa seguir seus erros, é tido por herege: o que sonham à noite (aludindo a Zwinglio), escrevem de dia, e põe-se em versão impressa, e tem-se como um oráculo. Não espereis que jamais deem seus braços a torcer: estão tão longes de obedecer à Igreja, pois, pelo contrário, querem que a Igreja obedeça a eles. Não é isto fazer-se papas, constituir-se em deuses da terra e tiranizar as consciências dos homens?’”.
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Notas
[1] In Paraenes., ad Helvet., tom. I, pág. 113.
[2] Schlussemb, Theol, Calv., cap. II.
[3] Sleidan, in comment. I, VIII, fól. 355.
[4] Sleidan, in comment. I, VIII, fól. 355.
[5] Guall, in apolog., tom. I, opp; Zwingl., fól. 18.
[6] Epis. collop., Maul-Branac. ann. 1564, fóls. 55, 82.
[7] Lut., Epist. ad Jacob. Presbyt.
[8] In recognit. prophan. et apost. in fin. et in Bulligeri Coronide, 1544.
[9] Florim. fól. 175.
[10] Luth. de Miss. privat.
[11] Epist. 951.
[12] Pode-se consultar: Le voile levé, La conjuration contre l’Eglise catholique, II Journal hist. et litter. 1º de junho de 1792, pág. 272.
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