1 de dezembro de 2012

As perfeições divinas e a dor

É fácil santificar as provações quando compreendemos o papel da dor no plano divino. "Quem fará, com que minha oração seja ouvida, dizia Jó, e que Deus me conceda aquilo que espero? isto é, que Ele se digne esmagar-me, pondo fim aos meus dias à mercê de Sua vontade e me reste ainda este consolo, e que exulte sob os golpes de uma dor implacável, por não haver contestado os decretos do Santo dos Santos" (Jó 6, 8-10).
Que Deus satisfaça, portanto, Sua justiça, contente Sua santidade, exerça Seu poder, e que Sua própria bondade proceda livremente, mergulhando-me na dor e retirando dessa mesma dor todos os benefícios que encerra.
São os atributos de Deus que exigem o sofrimento da criatura humana e o fazem servir aos desígnios da sabedoria eterna. Diante da desordem terrível que é o pecado, a justiça incorruptível reclama uma expiação; não pode desistir de seus direitos; Deus deixaria de ser Deus se não castigasse o pecado. Jó, como todos aqueles a quem a santidade da vida valeu grandes esclarecimentos, compreendia a eqüidade da sentença divina, que condena o homem pecador ao sofrimento. Como todas as almas perfeitas, sentia em si um vivo desejo de pagar suas dívidas à justiça divina. As mesmas luzes da graça revelavam-lhe ainda a pureza que o Deus infinitamente santo reclama de Seus amigos e desejava ser purificado pelo sofrimento. Sabia também que a Sabedoria increada atinge seus fins por vias inteiramente opostas às dos homens e conduz à felicidade pelo sofrimento. Sabia que o Deus infinitamente poderoso e infinitamente bom podia procurar-lhe, por este meio, os mais preciosos bens. Como não pedir então ao Senhor que fosse até ao fim, e completasse nele sua obra, amarga, sem dúvida, porém benfazeja. Esse homem justo não deseja contradizer os decretos do Deus santo, pois se os planos divinos são sabedoria e bondade, pode o homem, infelizmente, fazê-los fracassar, ou, ao menos, impedir-lhe a plena realização. Jó deseja, portanto, e pede que não seja obstáculo aos desígnios de seu Deus.
Deus ficará satisfeito e nisto encontrará Sua glória. Que importa, pois, que eu gema; que importa que uma mísera criatura sofra, se Deus for glorificado, que importa que um ser, um nada, seja esmagado, se Deus ficar contente!
Haveria quem protestasse se, para agrado do rei, fosse esmagado um pobre vermezinho, de cujo corpo moído exalasse suave perfume? ou quem criticasse o consumo de grãos de incenso, queimados para aromatizar uma igreja, deleitar os fiéis e honrar a Deus? Pois bem, somos nós esses vermezinhos, esses pobres grãos de incenso; devemos considerar-nos felizes se, por meio de sofrimentos santamente suportados, fizéramos subir até ao trono de nosso Deus um delicioso perfume.
Tais os pensamentos a que devemos recorrer quando a dor nos oprime, em vez de recordar os fatos que nos entristecem, ou reanimar, inutilmente uma ferida que o tempo cicatrizará. Quem maltratasse por prazer uma ferida sua e lhe rasgasse continuamente os tecidos que se refazem, procederia como um louco. Não é menos insensato quem repassa constantemente na memória, as causas de seus sofrimentos, as faltas de seus irmãos para com ele, as injustiças de que se julga vítima, ou os golpes da Providência que o fere. Ao contrário, devemos humilhar-nos e reconhecer que tais sofrimentos estão muito aquém do que merecemos, pois, se viéssemos a morrer, passaríamos por um rigoroso purgatório para expiar nossos pecados. Merecemos ser lançados ao fogo; como então podemos nos queixar? Nossas pobres almas, tão manchadas pelo pecado, pelo apego a nós mesmos e a toda espécie de imperfeições, precisam ser purificadas pelo sofrimento para se tornarem agradáveis aos olhos do Deus infinitamente santo. Há em nós como que uma marca que nos desfigura e não pode ser arrancada sem uma acerba dor.
E é este o pensamento que torna as almas humildes cada vez mais pacientes, enquanto que a falta de resignação indica um orgulho recôndito.
Deus é justo quando nos experimenta; Sua bondade, porém, brilha ainda mais que Sua justiça. Com efeito, ele quer que essa dor, ao lavar e purificar as almas, lhes dilate, ao mesmo tempo, a beleza e os méritos. A dor passa, o mérito perdura; tantas outras penas já passaram, de que nem sequer nos lembramos. Deus, porém, conservou-lhes a lembrança, a fim de recompensar. Momentaneum et leve tribulationis nostrae aeternum gloriae pondus operatur in nobis. Nossas penas são passageiras e leves, mas, no grande dia em que se fixar a nossa sorte; cada qual produzirá, e para sempre, novo esplendor de glória.
Deus é justo e santo, Deus é bom quando nos experimenta. Se, na dor, elevarmos para Ele o olhar, de nosso coração partirá um fiat generoso, que será um ato de amor perfeito. Talvez o esforço passageiro despendido será de efeito transitório e a lembrança do sofrimento nos perseguirá, mau grado nosso. A dor, afastada um momento pela resignação, voltaria ao coração; um novo esforço, porém, produzirá novo ato de submissão. Se fitarmos outra vez os olhos nas grandezas e perfeições de Deus, na Sua bondade e santidade infinitas, faremos então outro ato de amor. Tantas vitórias alcançadas sobre a natureza, cem por dia talvez, tantos passos dados no caminho do amor e da perfeição.

(O Caminho que leva a Deus - Cônego Augusto Saudreau)

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