Já é conhecido o texto da Exortação Apostólica para o Médio Oriente, cuja revelação e entrega está na base da visita que o Papa fez ao Líbano nos últimos dias.
O texto completo pode ser lido aqui, mas só para quem tiver paciência e tempo, porque são 96 páginas!!! Por isso, para vossa comodidade, aqui fica um curto resumo com os principais pontos.
O primeiro ponto a destacar tem a ver com as relações ecuménicas. Aqui o Papa aborda um problema que é muito grave e talvez o menos conhecido por parte de quem vive fora da região, a unidade. Claro que seria bom haver mais unidade entre cristãos de diferentes denominações, não só no Médio Oriente como no resto do mundo, mas infelizmente nos países árabes, onde os cristãos são sempre uma minoria e muitas vezes uma minoria perseguida, não existe sequer unidade entre católicos de diferentes ritos, quanto mais entre estes e ortodoxos, que são outros tantos.
O Papa faz questão de enfatizar que a unidade que se pede não é sinónimo de uniformidade de tradições e liturgia. É antes o estabelecimento de boas relações e de abrir canais de comunicação para que os cristãos possam falar a uma só voz sobre temas fundamentais.
Já o disse antes, considero que este é um dos assuntos chave a resolver no Médio Oriente. É absurdo que os refugiados cristãos sírios no Líbano sejam ignorados e desprezados pelos seus correligionários locais, bem como é absurdo que os cristãos e seus bispos na Síria continuem a tratar cada um dos seu quintal, sem tomar uma posição comum que pudesse fazer a diferença.
Interessantemente o Papa deixa espaço para o desenvolvimento de uma “communio in sacris”, isto é, a possibilidade de cristãos poderem usufruir de sacramentos nas diferentes igrejas. Actualmente, só em caso de emergência é que um católico pode receber a comunhão, ou confessar-se, por exemplo, numa Igreja ortodoxa, mas Bento XVI deixa espaço para contrariar isso, o que levará tempo e diálogo, mas que essencialmente vira ao contrário a noção de ecumenismo que tem reinado no Ocidente, de um diálogo longo e complexo que visa culminar na mesa da comunhão, para um encontro em diálogo precisamente à volta da mesa, que parte dos sacramentos para tentar construir a unidade nas vidas e corações. Francamente, a mim sempre me pareceu uma abordagem mais humana as divisões na Igreja...
O texto fala depois do diálogo inter-religioso. O Papa pede, essencialmente, o fim da violência inter-religiosa. Reconhecendo que cristãos, muçulmanos e judeus adoram todos os mesmo Deus, estes devem reconhecer uns nos outros a dignidade e evitar situações de violência que são “injustificáveis” para “verdadeiros crentes”. Aqui o Papa faz um apelo à liberdade religiosa, tendo o cuidado de explicar que não se trata de sincretismo.
Por fim, nesta primeira parte do texto, Bento XVI fala dos cuidados a ter com os imigrantes que vão para o Médio Oriente principalmente de países africanos e asiáticos, sendo que muitos são cristãos. Muitos vivem em países onde a prática da sua religião não é tolerada, como a Arábia Saudtia, por exemplo. Outros, mesmo nos países onde há cristãos, por não pertencerem a comunidades tradicionais, são vítimas de discriminação.
A segunda parte tem secções dedicadas aos Patriarcas, Bispos, Padres e Leigos, mas tanto quanto consigo perceber não tem grandes novidades. Talvez a coisa mais interessante seja o apelo do Papa para que os filhos fiquem no país, ou que regressem, para que não acabe a presença cristã na região, sem a qual “O Médio Oriente não seria o Médio Oriente”.
Interessantemente, no texto o Papa nunca fala especificamente de países. Por um lado, é natural que assim seja, a mensagem é dirigida a cristãos e não a Estados. Por outro, isso significa que nunca se fala de Israel, nem do problema israelo-árabe, algo que foi amplamente discutido no Sínodo do qual este texto resulta.
Outro tema muito importante que foi falado no Sínodo mas que não vejo reflectido aqui é a falta de liberdade das igrejas orientais no Ocidente. Passo a explicar. Tomemos a Igreja Melquita, por exemplo. O Patriarca está na Síria e é responsável pelos melquitas em todo o Médio Oriente. Fiel à tradição da sua Igreja, pode ordenar homens casados para o sacerdócio. Mas segundo as regras ainda em vigor, um bispo melquita nos EUA ou noutro país de tradição ocidental, não pode ordenar homens casados. Este é só um exemplo. Há casos nos quais as Igrejas orientais em território tradicionalmente “latino”, em vez de responderem perante os seus patriarcas, respondem directamente a Roma.
Vários bispos queixaram-se disto no Sínodo. A ideia é a Igreja ser uma comunhão de diferentes igrejas de direito próprio, ou sui iuris, em Latim. Mas na realidade, actualmente, as igrejas orientais têm um estatuto inferior, na prática. Para além de ser uma falta de respeito por estas igrejas veneráveis e antigas, é também um péssimo sinal ecuménico que se dá, levando os ortodoxos a concluir rapidamente que, caso aceitassem reunificar a Igreja, ficariam subjugados à Igreja Latina, quando a ideia não deve ser essa.
Com o texto já publicado resta saber se passará das palavras aos actos. Para isso, e voltando ao primeiro ponto, é preciso unidade e diálogo, o que já por si seria um avanço para os cristãos que vivem no mundo islâmico.
Filipe d'Avillez
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